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Coisas da vida, artesanato, fotografia e meio ambiente

Versão 3.2/2008: Tudo na vida é uma questão de prioridade, comedimento e tolerância.
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
Acabou a temporada de 22 machos correndo atrás da bola. Será?
Prezado Xico Sá,

fiquei cheia de esperança quando li seu texto na Folha de sexta. Infelizmente seu conselho aqui em casa não foi ouvido, para meu total desespero.
Ainda assim, reproduzo aqui, na íntegra, para que (quem sabe) sirva de inspiração a outros machos.

Valeu a intenção.

F.

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Repescagem do amor
É hora de devoção, nada de 22 machos correndo atrás da bola. Tudo para compensar o sacrifício da patroa no ano

AMIGO TORCEDOR , amigo secador, nada mais entediante do que este momento de especulações e vaivéns do mercado ludopédico. No tempo dos grandes troca-trocas, com Francisco Horta, dirigente do Fluminense, no comando, ainda tinha uma certa graça este período de férias. Agora nem isso. O que se vê, caro Fausto, é boleiro, empresário e treinador espertos leiloando na bacia das almas.

Aqui em casa, o corvo Edgar, doente no último, ainda seca para melar alguns negócios, prefiro manter distância, fazer um dengo extra na costela amada, levá-la a um balneário, águas sulfurosas que fazem o milagre de Cocoon nesse tiozinho alienígena. Uma estação rápida em Poços de Caldas, quem sabe, onde o escrete homônimo ascendeu ao módulo 2 da primeira divisão de MG. Tudo que compense o sacrifício da patroa o ano inteiro, em muitas horas trocada pela várzea, pela Série B na TV em pleno sábado e até pelo rádio de pilha grudado ao travesseiro.

Por isso faço promessas de vida saudável em 2008, com direito a dieta e lei-seca, batucando na caixinha de fósforo samba de Ismael Silva para a minha nega: "Se você jurar/ Que me tem amor/ Eu posso me regenerar,/ Mas se é/ Para fingir, mulher,/ A orgia assim não vou deixar". Amigo, é hora de recompensar as moças por tantos 90 minutos de prejuízos, é hora de ressarci-las, dengos em dobro, presentes, sorrisos nos pesque-pagues da vida, gentilezas, puxar a cadeira no restaurante, abrir porta do carro, ser o amante que ainda manda flores.

Sem essa de acordar cedo domingo para ver a pelada do fajuto Mundial de Clubes. Sim, o corvo, de pendor argentino, é Boca desde que rompeu a casca do ovo, vai secar o Milan, mas a essa altura já estarei no meu exílio ludopédico, fugindo dos tubarões voadores do Recife. Amigo, esqueça as mesas-redondas especulativas, desligue, "não compre jornal, minta você mesmo", como dizem anarquistas da Catalunha. Amigo, faça a política compensatória com a musa ou com a dócil dona encrenca. Para cada 90 minutos longe dela, agrado, passeio no pedalinho ou na roda-gigante, fim de semana em Montevidéu ou Buenos Aires, cinema de mãos dadas, tango, bolero, cha-cha-cha no Caribe.

Amigo, faça como o Celso Borges e o Baleiro, que deixaram a paixão pelo Bode Gregório de lado, pelo menos até o fim do ano, e agora se dedicam ao feitio de orações às crias das suas costelas. O Bode Gregório, amigo, é o apelido do glorioso MAC, o Maranhão Atlético Clube, que tem tudo para levar o Estadual em 2008. Amigo, nada de perder tempo nessa hora com o novo rumo milionário de Luxemburgo, melhor juntar uns trocados, fazer sacrifícios e levar a nega ao nirvana mais próximo, seja na Praia Grande ou em Bariloche.

Lembre da sua santa paciência naquelas tardes de domingos, lembre que ela até acompanhou, solidária, a ruindade do seu time, lembre que foi à rua Javari naquele Juventus 2 x 3 Linense, o jogo do ano, claro, como me alerta aqui o amigo Vitor Nuzzi.

É hora de devoção, amigo, nada de 22 machos correndo atrás de uma bola. É hora de suar a camisa, mas só na alcova, amigo, gritos e sussurros de uma honrada repescagem. Porque no amor, amigo, se cair da primeira divisão, não volta mais nunca.

(Xico Sá; caderno de Esportes; Folha de São Paulo, 14/12/2007)

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