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Público pede mulheres "maduras"Sucesso da poeta mineira Adélia Prado na Flip aponta para a explosão de novo filão de literatura feminina no mercadoEDUARDO SIMÕES
MARCOS STRECKER
SYLVIA COLOMBO
Nem Prêmio Nobel norte-americana, nem polemista inglês, menos ainda marxista paquistanês.
Quem roubou a cena na 4ª Flip (Festa Literária Internacional de Parati), encerrada no último domingo, foi a poeta mineira Adélia Prado, 71.
Em um auditório abarrotado e maravilhado pela sua pregação do afeto, Prado gerou uma experiência quase mística. Foi de chorar. O que ela fez, aliás, enquanto lia poemas.
O espetáculo catártico de Parati é apenas mais um sinal do aumento do interesse do mercado por um filão da literatura feminina que também abarca outras autoras, como as gaúchas Lya Luft, 67, e Martha Medeiros, 44, e a norte-americana Joan Didion, 71 (que já vendeu 32 mil cópias de "O Ano do Pensamento Mágico" aqui).Essa vertente de-e-para mulheres "maduras" caracteriza-se por fisgar principalmente as leitoras de 40 anos ou mais, pelo sentimentalismo exacerbado e por tratar de temas como a família, a perda e a religião.Faz contraponto à linha "Bridget Jones", na qual escritoras, geralmente mais jovens, falam de relacionamentos e de sexo (a turma do discurso "ele não liga no dia seguinte").O colunista da Folha Manuel da Costa Pinto diz, ainda, que esse filão tem um quê de auto-ajuda, pois exalta o "estado de espírito sereno e a conciliação com a vida".Adélia Prado, cuja obra é relançada agora pela Record, tem um público que ultrapassa esse nicho, além de ser mais sólida do ponto de vista literário. Porém, o "revival" de sua obra hoje tem muito a ver com essa nova demanda das leitoras contemporâneas.
Ela explica a explosão emotiva de seu público na Flip: "Eu falei de valores, e valores afetam. Acho muito difícil discutir essas coisas sem que a emoção nos espreite." Segundo ela, seu público é variado, mas a busca é comum. "Tenho certeza de que procura o mesmo que eu: achar num texto alguma coisa que ofereça, independentemente da vida e da pobreza do autor, um sinal de algo belo e maior que nos sustente e nos aguarde para um face a face."
A editora Isa Pessoa, da Objetiva, identifica Martha Medeiros ("Divã") como uma escritora que alcança o mesmo "perímetro da sensibilidade feminina" que Adélia. Medeiros, 44, admite o forte apelo do livro entre as mulheres e avalia que existe um espaço cada vez maior para o tipo de literatura da poeta. "Há um culto à solidão, as pessoas estão muito solitárias e desconfiadas. Surge uma brecha para alguém como a Adélia traduzir esses sentimentos. Ela, com sua sensibilidade, faz isso muito bem."
Lya Luft talvez seja o maior expoente desse "gênero" - já vendeu 550 mil cópias de "Perdas e Ganhos", mistura de ensaio e memória cujo tema é o amadurecimento, de modo bastante pessoal. Em outubro, chega às livrarias seu novo livro, "Em Outras Palavras", também pela Record.
Clube das mulheresA designer carioca Patrícia Costa, 42, foi uma das muitas mulheres que se emocionaram com a apresentação de Adélia. "Sócia" de um clube de mulheres que não perde nenhuma Flip, ela levou para casa quatro títulos da autora e considera que o sucesso de Adélia se deveu ao fato de ela se afastar de temas políticos e saber tocar as pessoas "em seu íntimo".
"A política é mais racional, fala à nossa indignação. Adélia falou das grandes questões da vida, da sensação de esvaziamento, da falta de contato humano e de afeto que é muito presente hoje. A gente carece de falar sobre sentimentos e ela não teve vergonha de se expor quando falou de suas perdas. Ela chorou, nós choramos. Estávamos todas no mesmo barco", diz Costa.