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Versão 3.2/2008: Tudo na vida é uma questão de prioridade, comedimento e tolerância.
segunda-feira, 6 de junho de 2005
Krajcberg

Meu amorzinho me apresentou neste final de semana às esculturas deste artista que eu já conhecia como ecologista dos tempos da faculdade (embora não estivesse ligando o nome à pessoa). Segue a matéria que saiu hoje no Segundo Caderno d'O Globo:

Desabafos do artista enquanto um ecologista

Deborah Berlinck
Correspondente PARIS

Aos 84 anos, o escultor Frans Krajcberg nem esperou a pergunta para tocar no assunto. Passados dois minutos de conversa, disparou, com velocidade da rajada de uma metralhadora, o primeiro de uma série de desabafos:

— Eu posso declarar: a Amazônia vai ser destruída. É um absurdo o que estão fazendo lá — pausa, e um pouco mais adiante: — Precisa ir para a Amazônia destruir, quando tem milhares de hectares de terras abandonadas que já foram destruídas?

Krajcberg talvez seja o artista brasileiro mais revoltado contra a destruição da Amazônia. Sim, bra-si-lei-ro. Mesmo tendo nascido na Polônia, esse é outro ponto de sua revolta: ser chamado de polonês.

— Não entendo isso. Não sou polonês. Nunca me deixaram ser polonês, apesar de ter nascido lá. Vim para o Brasil e me naturalizei logo. Mas por que até hoje todo mundo fala em polonês radicado no Brasil? Isso me chocava muito, hoje deixo para lá, não adianta. O que é ser brasileiro? Eu tenho direito. Eu escolhi um lugar no planeta e esse lugar se chama Brasil. Queiram ou não, estou na minha casa!

Prefeitura de Paris fez o convite para a exposição

É esse brasileiro, que não trocaria a casa na árvore na qual mora em Nova Viçosa, no sul da Bahia, pela riqueza da Europa, que a prefeitura de Paris escolheu para celebrar o centenário da compra de um dos parques mais bonitos da cidade, o Bagatelle. Essa grande exposição abre hoje, na presença do prefeito Bertrand Delanoe, e fica em Paris até o dia 16 de outubro — em seguida, algumas dessas obras serão expostas em novembro, na Pinacoteca de São Paulo.

A data da mostra coincidiu com o Ano do Brasil na França e virou um dos principais eventos da manifestação. A mostra, que reúne cerca de 30 esculturas inéditas, além de fotografias e filmes, é visualmente monumental. Foram precisos sete containers para trazê-la a Paris. Esculturas feitas com o que resta de árvores queimadas despontam nos jardins do Bagatelle como uma denúncia. A destruição se confronta com o verde exuberante das árvores. E aí está o grande paradoxo do trabalho de Krajcberg. A mata viva é linda. Mas o tronco morto transformado em arte pelo talento do escultor é belíssimo. Para Krajcberg, sua arte é, acima de tudo, um instrumento de denúncia:

— O meu grito é com o meu trabalho. Se começo a gritar na rua, botam-me num hospital de doido. E meu único meio é mostrar a destruição e dizer: vejam, esse pedaço de carvão ontem foi uma bela árvore.

O escultor não grita só pela salvação das florestas do Brasil, para onde veio em 1948 para escapar da Europa arrasada pela Segunda Guerra Mundial. Judeu, ele viu no fim da guerra os corpos empilhados como lixo em campos de concentração. Toda a sua família, os pais e cinco irmãos, foi dizimada pelos nazistas. Com esse passado trágico, Krajcberg se revolta também com a miséria do homem. Ele acha que os brasileiros estão mais conscientes sobre a importância da Amazônia, mas diz que, no Brasil, “todo mundo é muito passivo demais”.

— Ninguém faz nada — conclui, sem poupar críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. — Em 2003, ele disse que ia permitir a exportação de soja transgênica cultivada ilegalmente, mas só daquele ano. Em 2004, ele autorizou o plantio em todo o Brasil e abriu a possibilidade de destruir a Amazônia para o Brasil poder exportar. Não dá para compreender isso! É o país mais surrealista que eu já conheci.

E a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva? Krajcberg estampa um sorriso malicioso, dizendo que não sabe se o cargo ainda existe:

— Porque tudo o que se faz ela está de acordo, e quando não está, continua a ser ministra — diz, revoltado, mas com uma pontinha de otimismo. — Estão começando a ver a realidade, a de que nós não temos o direito de destruir a vida do planeta. Vivemos nessa terra e precisamos salvar o planeta para a sobrevivência da humanidade no futuro. Senão, como vai ser se os desastres começarem a piorar? Vamos só gritar socorro?